Ao aproximar moda e modernismo, o curso propõe uma abordagem ainda pouco usual do modernismo brasileiro, a partir da análise da aparência de dois de seus grandes ícones: Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Ao longo da década de 2020, estamos vivendo o centenário de inúmeros fatos culturais marcantes para a história do Brasil, como a Semana de Arte Moderna, que aconteceu na cidade de São Paulo em fevereiro de 1922; a realização do quadro A negra, de Tarsila do Amaral, em 1923; a publicação do Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade, em 1924; a viagem da caravana de modernistas paulistas a Minas Gerais, no mesmo ano; a abertura da primeira exposição individual de Tarsila, que ocorreu em Paris, em 1926; o lançamento dos livros Pau-Brasil, de Oswald, em 1925, e Macunaíma, de Mário de Andrade, em 1928; a primeira individual de Tarsila no Brasil, no Rio de Janeiro, em 1929.
Essas efemérides nos convidam a pensar sobre a maneira como as imagens de Tarsila e Oswald – o casal Tarsiwald, como assim os chamou o amigo Mário de Andrade – fazem parte da história da nossa cultura e reverberam há cem anos no imaginário nacional. À medida que os dois, cada um a seu modo, iam construindo suas personas, criaram também uma aparência que colaborou para o fortalecimento e a definição estética do modernismo brasileiro nos anos 1920. Tarsila e Oswald foram clientes da alta-costura francesa, e as escolhas de Tarsiwald no campo da moda podem ser pensadas de maneira análoga às proposições estéticas da primeira geração do movimento modernista.
Ao longo dos encontros, vamos analisar um conjunto eclético, dos mais variados tipos de registro da aparência de Tarsila e Oswald. Certamente, parte da memória da relação que um dia se estabeleceu entre os corpos e as roupas que os vestiram está impressa nas imagens e nos discursos, e numa infinidade de documentos que tornaram possível montar o guarda-roupa modernista. Esse corpus amplo evidencia a importância da aparência, das roupas e da moda no percurso artístico e literário de duas figuras centrais do modernismo brasileiro e permite esmiuçar a relação do casal com a alta-costura francesa, em especial a maison Paul Poiret.
O que você vai aprender
Apresentação de uma visão aprofundada da história do vestuário e da moda, ampliando a compreensão sobre o ato de vestir e a importância do objeto de vestuário como fonte documental. É possível ampliar o cânone dos estudos em artes visuais a partir de abordagens multidisciplinares que, além de trabalhar os suportes tradicionais, optam por objetos de estudo antes negligenciados pelo saber científico e pela crítica.
Um breve exposição da história da moda no Ocidente e da maneira como foi forjado, também no vestuário, o conceito de modernidade.
Alguns antecedentes da Semana de Arte Moderna, realizada em 1922. No centro da construção da ideia de Brasil moderno está a cidade de São Paulo, descrita como o lugar onde uma nova linguagem é exigida. No Cadillac de Oswald, o Grupo dos Cinco dá “vazão àquele fogo interior”, nas palavras de Tarsila.
A importância da aparência no quadro da arte moderna e no modernismo brasileiro. Na década de 1920, o grupo modernista esteve alinhado às normas do vestuário de elite. A intensa sociabilidade dos modernistas de São Paulo no início do século XX, em almoços, aberturas de exposições, viagens ou reuniões de amigos: como se vestiam os artistas – escritores, artistas plásticos, músicos – e seus parentes, amigos, colaboradores e incentivadores.
Criado num ambiente de cuidado excessivo, Oswald mostrou-se profundamente marcado pela figura da mãe. Por outro lado, o caráter original e desafiador de Oswald incomodou seus pares, oriundos da elite paulista, que o acusaram, não raras vezes, de inconsistente, devasso, excêntrico, exuberante, palhaço – alguém dotado de humor, característica essencial do temperamento, da obra e da aparência de Oswald.
A aparência de Tarsila é um ponto sempre explorado pela história e pela crítica do modernismo brasileiro, que muitas vezes vincula o discurso sobre Tarsila à sua sofisticação. De fato, seu guarda-roupa entre 1923 e 1929 revela uma criatura ambiciosa e confiante, que valorizou a aparência e se vestiu de modo suntuoso, investindo na consolidação do seu lugar de artista.
A presença do costureiro Paul Poiret é forte na avaliação da trajetória artística de Tarsila. Se por um lado podemos refletir sobre a relação entre o modernismo e a moda, ou seja, quais foram os usos que os modernistas fizeram da moda, em outra perspectiva, ao olhar o assunto numa via de mão dupla, vamos debater o assunto moda e modernismo. Quer dizer, de que maneira está configurada uma moda feminina moderna nos anos 1920, no seio da alta-costura francesa, e como o modernismo brasileiro se relaciona com ela.
Não são raras as fotografias do casal Tarsiwald a bordo de um navio. Os documentos comprovam a intensidade dos deslocamentos: fotografias, cartas e cartões-postais, e também um álbum de viagens da artista. Há uma caixa de chapéu, que pertencera a Tarsila, coberta de adesivos dos embarques e desembarques dos navios e check-in em hotéis. Para as ocasiões de turismo, travessias oceânicas em navios requintados, jantares, festas, Tarsila preparou um enxoval com roupas da maison Paul Poiret.
O casal Tarsiwald esteve sempre consciente da relevância de suas escolhas no campo do vestuário e da moda e usaram, de maneira engenhosa, a aparência no projeto estético do modernismo. Os dois souberam inserir a moda francesa, por meio da figura de Tarsila, na estética Pau-Brasil. Ao mesmo tempo, a alta-costura, a moda, as roupas de luxo legitimam o “bom gosto”, de Tarsila e Oswald e, especialmente entre seus pares da elite, os autorizam a produzir uma arte moderna e brasileira.
A festa de casamento, os vernissages, os almoços oficiais, as viagens e até as temporadas nas fazendas são cerimônias em que a alta-costura é um traço, simbólico e tangível, da experiência de retroalimentação da classe burguesa, que cultiva e celebra sua própria distinção. Ao mesmo tempo, o vestido de casamento manifesta uma característica do movimento modernista, que procurou congregar uma força de enraizamento e outra de atualização.
Conheça sua professora
Carolina Casarin
Carolina Casarin é autora do livro “O guarda-roupa modernista: o casal Tarsila e Oswald e a moda” (Companhia das Letras, 2022). Doutora em Artes Visuais e mestre em Letras, escreve para jornais e revistas, dá aulas de história da moda, é figurinista e editora de livros. Nasceu em Maceió, Alagoas, em 1983. Viveu mais de trinta anos no Rio de Janeiro e atualmente mora em São Paulo.
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